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ARTIGO: Foi sem querer querendo

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Para Lapanche e Pontalis o ato falho acontece quando o resultado explícito de uma ação não é atingido pelo contrário é replicado por outro. Estes lapsos são comumente atribuídos a distração ou ao acaso que Freud explica como a relação entre o que se quer fazer com o que está recalcado. As falhas são divididas em três: linguagem, memória e comportamento. O famoso discurso “foi sem querer querendo” do personagem do seriado Chaves, que diz que não querer, mas inconscientemente fala mais alto que a razão.

Ainda segundo os autores esta falha acaba se tornando bem-sucedida, pois o inconsciente se realiza nestes atos. Estes por sua vez são carregados de significados. E este conceito surge com a teoria Freudiana, que valoriza as associações livres como forma do indivíduo trazer a consciência o que está lhe adoecendo, sendo o ato falho uma das formas de interpretar de maneira que o símbolo recalcado faça sentido ao paciente, reescrevendo assim, a história antes desconhecida para uma história ressignificada pronta para ser utilizada como vivência e experiência propulsora em direção a uma existência com sentido e fortalecedora de vínculos saudáveis.

O ato falho é um dos recursos que o terapeuta em sua atenção flutuante se utiliza da observação para construir suas hipóteses e elaborar questionamentos ao paciente ajudando-o desta forma a trazer os conteúdos recalcados à consciência e quando isso faz sentido a melhora é progressiva. Além disso, entende-se que apenas falando o paciente já consegue algum alívio, pois falando para uma escuta qualificada e sem censura, aflora-se os conteúdos inconscientes. Neste sentido o ato falho (fora de foco) é uma das ferramentas para trazer a consciência os conteúdos que precisam ser elaborados. Isso é possível devido ao método psicanalítico que permite a expressão livre que conforme vai traduzindo em palavras seus sentimentos e vivências têm seus sintomas em um movimento de dissipação.

O terapeuta não pergunta de onde vem determinado sentimento ou sintoma, mas deixa o paciente falar livremente. A isto, denomina-se método da associação livre que é a essência da clínica psicanalítica alicerçada pela teoria topográfica (aparelho psíquico) dividida em primeira tópica (consciente, pré-consciente e inconsciente) e segunda tópica (estrutural: id, ego e superego). 

A psicanálise tem como combustível a interpretação, onde o foco está nos fatos “por acaso”, atos falhos que motiva a relação do que está recalcado no inconsciente. Este quando se expressa é de maneira arcaica (por símbolos). Desta forma, só é considerado um símbolo o que se refere ao que foi recalcado ou reprimido. O psicoterapeuta imbuído da técnica psicanalítica em sua atenção flutuante e perspicaz formula questionamentos que fazem o sujeito refletir e pensar sobre si.

O inconsciente não segue as regras do tempo cronológico assim como nos sonhos, ou seja, não conseguimos classificar em passado, presente e futuro. Se uma pessoa teve um trauma na infância, pode não se lembrar, mas as emoções ficaram registradas como se o acontecimento fosse agora.

No atendimento de crianças o lúdico está presente no vínculo de transferência e associação livre perceptível no discurso das crianças. Freud foi precursor da clínica psicanalítica para crianças. Nos atendimentos a criança com o vínculo estabelecido tem maior confiança dando vazão ao falar livremente. Durante as associações realizadas através do brincar o imaginário tem espaço no discurso verbaliza o que traz desconforto, conflitos e sensações negativas como o abandono, já que o sujeito pode escolher ser o agressor ou o agredido, ou seja, pode decidir de qual lado quer ficar.

A criança desde muito cedo diferencia o real do imaginário e o jogo é um brincar com a imaginação, diferente da deformação onírica dos sonhos, que implicam na realização do desejo que em sua maioria é a manifestação incoerente, absurda e confusa. Já o brincar acontece no momento consciente envolvendo ações motoras com o uso de objetos reais, porém a ação de brincar não corresponde à realidade, mas a imaginação com suas fantasias, desejos inconscientes que vão além do cotidiano. O jogo é um instrumento valioso para acessar o inconsciente da criança e elaborar conflitos.

O psicoterapeuta em sua atenção flutuante atuando também como objeto principal do movimento lúdico, do brincar da criança percebe os atos falhos quer linguagem, memória e comportamento, que falam muito do conteúdo recalcado (traumas, medos, angústias) que entraram para o inconsciente como forma de defesa e preservação da vida. Cabe destacar que o discurso dos pais também é conteúdo de análise, já que no tratamento das crianças exige a valorização da família, fortalecimento dos vínculos e intervenções na rotina familiar para colaborar com a construção da moral, e autonomia saudável. Com estas ferramentas o psicoterapeuta traça um plano de atendimento familiar para em parceria com a família contribuir com o desenvolvimento progressivo da criança favorecendo o distanciamento do adoecimento.

Rosane de Carvalho

 

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