Já o assessor técnico do Conasems, Alessandro Chagas, diz que a dificuldade para processar amostras, que pode exigir envio do material a outro Estado, desestimula a fazer testes. “O que causa estranheza é esse estoque parado enquanto temos dificuldade de levar a coleta para a atenção básica”, diz.
Pouco Critério.
Além de escassos, os testes RT-PCR foram distribuídos pelo Ministério da Saúde sob critérios pouco objetivos. O Paraná foi o terceiro Estado que mais recebeu os produtos. A Bahia está em sexto lugar, mesmo com população superior e mais casos e mortes pela covid-19.
O Brasil ainda enviou 130 mil exames ao Paraguai e ao Peru, número praticamente igual ao entregue ao Amazonas, que viveu uma tragédia no começo da pandemia. Outros oito Estados receberam menos testes do ministério do que os países vizinhos.
O desequilíbrio também é visto na entrega de reagentes de extração do RNA. Dos três, 20% foram enviados a Minas Gerais. Já o Amazonas recebeu menos de 1% do total. Sem dar detalhes, o ministério afirma que entrega todos os insumos conforme demanda e capacidade de armazenamento dos Estados.Médico e doutorando na Universidade de Oxford, no Reino Unido, Ricardo Parolin ressalta que a mistura de modelos de exame dificulta análises sobre a pandemia da covid-19 no Brasil. “Cada governante fez uma coisa. Decidiram oferecer testes sem planejamento ou avaliação da função daquele produto”, afirma ele.
Eficácia prejudicada.
A preservação do teste de diagnóstico da covid-19 exige cuidados especiais. Pequenas alterações de temperatura no armazenamento podem mudar o resultado do exame. “Quando o kit passa do vencimento, as enzimas podem perder sua eficiência. Para um contexto de diagnóstico, pode acabar levando a variações no resultado final”, afirma Mellanie Fontes-Dutra, pós-doutoranda em Bioquímica na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Vejo com muita preocupação a possibilidade de estender os kits para além do prazo de validade”, afirma.
A pesquisadora pondera que seria positivo confirmar que os exames podem ser usados por mais tempo, desde que mantenham a qualidade. “Testamos muito pouco. Se der certo e não modificar a eficiência dos kits, pode ser bom”, disse.
Procurada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não deu detalhes sobre como a validade do produto pode ser renovada, mas informou que a entrega de testes vencidos é uma infração sanitária. O Ministério da Saúde disse que a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) está realizando estudo “para verificar a estabilidade de utilização dos testes”. Os testes foram comprados pelo governo federal por meio da organização. O resultado da análise deve sair na próxima semana, diz o Ministério da Saúde. Questionado sobre o que fará para entregar os testes antes de vencer a validade, o ministério apenas declarou que distribui os exames a partir de demandas dos Estados.
Sob a gestão do general Eduardo Pazuello, o Ministério da Saúde tem sido alvo de críticas em meio à pandemia ao, por exemplo, não dar orientações claras sobre o benefício do distanciamento social, uso de equipamentos de proteção e outros cuidados básicos.
Na última quarta-feira, 0 Ministério da Saúde chegou a excluir do Twitter uma publicação que reconhecia não existir vacina ou medicamento contra a covid-19, além de orientar o uso de máscara e isolamento social. As orientações seguiam cartilhas de autoridades sanitárias e entidades médicas, mas chamaram a atenção nas redes sociais por se contrapor ao discurso do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que já estimulou o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus, como a hidroxicloroquina