Desde que a enfermeira Mônica Calazans recebeu a primeira dose da vacina contra a covid-19 no dia 17 de janeiro, outros cerca de 1,5 milhão de brasileiros foram imunizados.
O número pode até parecer alto, mas está bem abaixo das expectativas e da capacidade de nosso sistema de saúde, de acordo com especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
“O ritmo de vacinação no país está simplesmente péssimo. Nós já deveríamos ter utilizado pelo menos todo esse primeiro lote de 6 milhões de doses da CoronaVac, do Instituto Butantan e da Sinovac”, analisa o epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Falta de planejamento, desafios de comunicação, problemas na coleta das informações e falhas no sistema do Ministério da Saúde ajudam a explicar essa lentidão.
Mas quais são as metas de vacinação? E como será possível atingir a imunidade de rebanho no país?
Vacina como bem coletivo
Por mais que todos pensemos em proteger a própria saúde quando tomamos uma vacina, o efeito dela ultrapassa as barreiras individuais.
Isso porque a imunização em larga escala permite proteger toda a comunidade, mesmo aquelas pessoas que, por um motivo ou outro, não podem tomar as doses.
Esse fenômeno é conhecido popularmente como imunidade de rebanho, embora os cientistas prefiram o termo imunidade coletiva.
De forma simplificada, para cada doença infecciosa prevenível por vacina há uma porcentagem da população que precisa ser protegida para que o vírus ou a bactéria deixe de circular naquele local.
Esse limiar de imunidade de rebanho varia de acordo com vários fatores, entre eles o quanto aquela enfermidade é contagiosa, a forma de transmissão da doença e a eficácia das vacinas disponíveis.
Vamos a alguns exemplos práticos. Para controlar o sarampo em determinada região, é necessário que mais de 95% das pessoas estejam vacinadas. Já na gripe, essa taxa fica na casa dos 50%.
Em outras palavras, se 95 pessoas são efetivamente vacinadas contra o sarampo, aquelas cinco que não podem tomar suas doses ficam protegidas por tabela, pois o vírus não encontra indivíduos vulneráveis para iniciar cadeias de transmissão e um surto local.
E na pandemia atual?
Ainda não se sabe ao certo qual é a porcentagem de vacinação necessária para atingir a imunidade de rebanho contra a covid-19.
Atualmente, os cientistas calculam que essa taxa deve ficar entre 70% e 90%.
Em dezembro, o imunologista americano Anthony Fauci, líder da força-tarefa de resposta à pandemia nos Estados Unidos, admitiu que será preciso vacinar mais de 90% da população para conseguir controlar de vez os números de casos e mortes.
Esses indícios já mostram que a aplicação de doses aprovadas no Brasil precisa ser acelerada com urgência, uma vez que atingimos apenas 0,68% da população, segundo o banco de dados Our World in Data atualizados até 28 de janeiro (para efeitos comparativos, Israel, um país pequeno, mas o mais avançado na vacinação até agora em relação ao tamanho de sua população, já imunizou 4,56 milhões de pessoas).
Se considerarmos que a campanha começou no Brasil há 12 dias e, de acordo com Our World Data, 1,45 milhão de brasileiros receberam a primeira dose até quinta-feira (28), isso dá uma média de 120 mil pessoas vacinadas por dia.
Se precisarmos imunizar até 90% da população para eventualmente atingir a imunidade coletiva, no Brasil esse total corresponde a 188,5 milhões de pessoas vacinadas.
Mas, se continuarmos no ritmo atual de 94 mil doses por dia, demoraremos 1.570 dias (ou pouco mais de quatro anos) para atingir o limiar de 90%.
Lembrando que, para a maior parte das vacinas contra o coronavírus (incluindo a CoronaVac e a AstraZeneca, as duas disponíveis aqui até agora) são necessárias duas doses do imunizante.
Exemplo que vem do passado
A epidemiologista Carla Domingues foi coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde por quase dez anos, entre 2011 e 2019.
De acordo com sua experiência, o Brasil tem total capacidade de acelerar seu plano e vacinar um número bem maior de pessoas contra a covid-19.
“Nas campanhas de vacinação contra a gripe, que acontecem todos os anos, nós conseguimos imunizar 80 milhões de brasileiros em apenas 90 dias”, compara.
Domingues acrescenta que o país tem cerca de 30 mil profissionais de saúde contratados para fazer a vacinação.
“Cada um deles consegue atender de 20 a 30 pessoas por dia. Portanto, não é exagero dizer que podemos imunizar 900 mil ou até 1 milhão de indivíduos no país diariamente”, pontua.
O PNI também traz ótimas lembranças de outras campanhas de imunização que, ao longo de anos, foram capazes de controlar e até eliminar algumas doenças do país (pelo menos temporariamente), como a poliomielite, a varíola e o sarampo.
Exemplo que vem de fora
Com a aprovação das primeiras vacinas contra a covid-19, Israel logo despontou como o modelo de rapidez e eficiência na aplicação das doses.
Com o início da campanha em 19 de dezembro, o país conseguiu em pouco mais de um mês proteger metade da sua população.
Dados divulgados recentemente pelo governo israelense indicam uma queda significativa nas notificações de novos casos de infecção e na taxa de hospitalização.
É claro que as escalas são incomparáveis: Israel possui um território pequeno, com fronteiras bem controladas e apenas 8,8 milhões de habitantes.
Mas a experiência por lá sinaliza que a pandemia pode ser controlada se o planejamento for rápido e bem coordenado.