Por Aguinaldo Adelino Carvalho
Vivemos uma era em que a tecnologia atravessa todas as dimensões da vida humana. Na pós-modernidade, não há sequer uma área da existência que não tenha sido profundamente impactada por avanços tecnológicos. Entre estes, dois elementos despontam como protagonistas: a internet e o celular.
O celular, em especial, transformou-se em uma extensão do corpo e da mente. Devido à sua versatilidade, tornou-se quase onipresente no cotidiano — seja no trabalho, nos estudos, nos momentos de lazer ou mesmo nos rituais silenciosos da intimidade humana. É difícil imaginar uma profissão, um relacionamento ou uma tarefa cotidiana que não tenha sido tocada por esse aparelho que cabe na palma da mão, mas ocupa espaços imensos em nossa atenção e em nossas emoções.
Sob uma lente sociológica e psicológica, observamos um fenômeno intrigante: o celular passou a mediar não apenas a comunicação, mas também a forma como nos relacionamos com o mundo, com o outro e conosco mesmos. As gerações mais jovens, especialmente a Geração Z, são chamadas de nativas digitais — nasceram e cresceram em um contexto em que o mundo já estava digitalizado. Elas não “aprendem” a usar o celular; simplesmente vivem no meio dele.
Contudo, como toda revolução, essa também traz seus efeitos colaterais. Entre os efeitos psicológicos mais preocupantes está a nomofobia, termo utilizado para designar o medo irracional de ficar sem o celular, revelando a dependência emocional e comportamental desse recurso tecnológico. Essa realidade já se reflete com intensidade nos consultórios de psicologia, onde se multiplicam as queixas relacionadas à ansiedade, déficit de atenção, distúrbios do sono, transtornos de humor e dificuldades interpessoais.
As crianças e adolescentes, por estarem em fase de formação neurológica e emocional, são especialmente vulneráveis aos efeitos do uso excessivo de telas. Um estudo de Souza, Salvador e Pimenta (2021), intitulado “Tempo de tela digital e sua relação com o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH)”, aponta que a exposição prolongada às telas pode estar associada à intensificação de sintomas relacionados à desatenção, impulsividade e hiperatividade. Os autores destacam que o tempo excessivo de tela não apenas afeta o funcionamento cognitivo, mas também interfere na qualidade das interações sociais, no desenvolvimento da autorregulação emocional e na rotina de sono — todos fatores diretamente relacionados ao agravamento de sintomas do TDAH.
Além disso, os pesquisadores alertam para o papel dos estímulos rápidos e constantes promovidos pelos dispositivos digitais, que podem condicionar o cérebro infantil a uma busca incessante por recompensas imediatas, prejudicando a capacidade de manter foco e atenção sustentada em tarefas mais prolongadas e complexas.
Diante de tais evidências, políticas públicas começaram a ser implementadas para conter os impactos negativos do uso excessivo de telas no ambiente escolar. Uma dessas medidas foi a sanção da Lei nº 15.100/25, que proíbe o uso de celulares e outros dispositivos eletrônicos em sala de aula nas escolas de educação básica em todo o território nacional. A lei, aprovada com ampla aceitação, tem como objetivo garantir que o ambiente escolar seja preservado como um espaço de concentração, interação social e aprendizagem significativa. Ainda que o uso pedagógico da tecnologia seja permitido sob orientação do professor, o foco da norma é coibir o uso recreativo e dispersivo do aparelho durante o tempo letivo.
A escola, espaço de socialização e aprendizagem, tem sentido intensamente esse impacto. Educadores enfrentam o desafio de captar a atenção de alunos cada vez mais dispersos e inquietos, enquanto as reuniões escolares se tornam palco de discussões frequentes sobre os efeitos pedagógicos do uso abusivo do celular.
E a cena já se tornou corriqueira: pessoas reunidas em espaços sociais, em silêncio, com os olhos fixos na tela. A mesa, que antes era lugar de troca e afeto, virou um palco de isolamento silencioso. O convívio humano foi sendo substituído por interações mediadas por algoritmos.
O ser humano, por natureza, é um ser social. Estar com o outro, escutar, olhar nos olhos, partilhar silêncios e palavras — tudo isso faz parte da nossa constituição emocional. Mas será que, neste tempo de telas, estamos perdendo a capacidade de convivência real? Será que precisaremos reaprender a ser humanos? Reaprender a escutar, tocar, sentir?
Essa é, talvez, uma das grandes questões do nosso tempo. O celular está aí, faz parte do nosso presente e, inevitavelmente, do nosso futuro. Mas cabe a nós, enquanto sociedade, enquanto pais, educadores, profissionais de saúde e, sobretudo, enquanto humanos, refletir: como podemos fazer um uso mais consciente, mais saudável e mais humano da tecnologia?
Se o celular veio para ficar, que ele não substitua o que temos de mais precioso: o encontro genuíno com o outro.