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ARTIGO: Pássaros cantores

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Não é de hoje que os homens se inspiram na leveza dos pássaros para expressar sentimentos. Enquanto alguns constroem em torno dessa inspiração belas metáforas para mostrar de forma lírica suas origens, outros usam do mesmo artifício para criticar erros da sociedade.

Na canção Assum Preto, Luiz Gonzaga explora bem o tema. Ao cantar ‘’Tudo em vorta é só beleza/ Sol de abril e a mata em frô’’, o rei do baião diz da mudança que ocorre no sertão nordestino após as chuvas, quando a caatinga seca e retorcida é substituída por uma linda floresta, verde e florida.

Em seguida, a emoção muda: ‘’Mas assum preto, cego dos óio/ Não vendo a luz, aí, canta de dor.’’ Ao falar do sofrimento do pássaro, Gonzaga lembra que nem sempre se canta de alegria. Às vezes, o canto é uma forma de superar a tristeza. E prossegue: ‘’Tarvez por ignorança/ ou mardade das pió/ furaro os óio do assum preto/ pra ele assim, aí, cantá mió.’’

A melhor metáfora, contudo, vem a seguir: ‘’Assum preto véve sorto/ mas num pode avoar/ mil vezes a sina de uma gaiola/ desde que o céu, aí, pudesse oiá.’’ O pássaro é livre, mas não voa, fato que nos leva à seguinte reflexão: de que adianta um homem ser livre, se não pode ser autentico? Aliás, voar é o símbolo da liberdade.

Vamos agora ao que Nietzsche escreveu sobre o assunto. Assim se expressou o filósofo alemão: ‘’Os partidários de um homem importante costumam se cegar para melhor cantar seus louvores.’’ Ou seja, tal qual o assum preto, que tem os olhos vazados para cantar melhor, algumas pessoas públicas fingem não enxergar os erros do governo que fazem parte, para cantar melhor os méritos do chefe e assim serem por ele estimados.

Mas esse cantar é um pouco mais complicado que o da pobre ave do sertão, pois se trata de um canto de adulação visando ser indicado candidato a prefeito no futuro, ou pelo menos ser aceito como vice de alguém poderoso. Esses pobres ‘’passarinhos’’ não imaginam que a cegueira por conveniência tende a não dar certo e que, inclusive, pode ressuscitar políticos de passado duvidoso.

Quando isso acontecer, aos aduladores vão restar apenas duas alternativas: imitar a águia de Zaratustra e se enfiar numa caverna, ou seguir o errante destino da Asa Branca, já que, a exemplo do sertão, também na política as coisas mudam radicalmente de uma hora para outra. A propósito, tal qual homens que cegam passarinhos por deleite, o forte de muita gente poderosa também não é o sentimento.

Publiquei este artigo em agosto de 2009. Como o tema se mostrou atemporal (em Adamantina), resolvi republicá-lo. Apesar de transcorridos longos 14 anos, pouca coisa mudou no cenário político da cidade. A soberba que impediu que a mensagem contida nas entrelinhas deste texto fosse captada pelos aduladores de outrora, continua em alta no município. De qualquer forma, pelo andar da carruagem, o próximo ano poderá terminar ao som de Kanpai, música famosa no país que criou o karaokê. 

 

 

 

      

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